Tá todo mundo tentando: gerenciar declínio
Ora tristeza, ora enxaqueca.
A Tá Todo Mundo Tentando está em um breve hiato. Volto com novas crônicas na edição de 06/05. Até lá, os envios de toda sexta-feira de manhã chegarão com crônicas publicadas em 2021. Como sempre, fale comigo por email (é só responder esse) ou deixe um comentário. Às vezes eu demoro mas sempre respondo!
Post publicado originalmente em 30/07/2021
🎶 para ouvir lendo: “Halah”, a mais linda do Mazzy Star (Spotify/Youtube)
Há umas semanas as coisas aqui em casa começaram a quebrar. Teve quadro que caiu, guia que partiu, máquina de lavar que deu defeito, planta que morreu, comida que estragou, menstruação que interrompeu. Tudo sem um motivo óbvio. O cabelo soltando da cabeça em tufos, a volta da anemia, parceira de anos, as costas doendo dia sim e outro também. Má gestão do meu sempre pouco dinheiro, más notícias chegando, incapacidade de dormir uma noite inteira. A ansiedade, sempre ela, consumindo minha energia até o limite do paralisante. Dias inteiros de pijama no sofá fumando cigarro e vendo show de drag queen enquanto o tempo se arrasta e mesmo assim passa rápido demais. Moletom sujo, pipoca para o jantar, uma piora geral. Ora tristeza, ora enxaqueca. A própria tristeza parece bonita no espelho, é um lugar quentinho, a desculpa vem fácil: não quero, não posso, não agora, não sei, não consigo. É preciso um tapa, uma ducha fria, um susto para despertar e sair dessa. Bem, ele veio num domingo de sol em que eu, no meu otimismo infinito, pensei que dava pra esticar mais um pouco, não é pra tanto, vai dar pé, insistir faz parte, me deixa tentar, prometo que vou fazer tudo ficar bem. Não para sempre, que isso não existe, mas é que ainda é cedo. Não era. Declínio exposto, só faltava ver. Data de validade expirada e o que quer que seja que estivesse guardado na embalagem tinha azedado. E não azedou pouco, não. Mas tudo bem. As pessoas, elas mudam. Mudei junto e ao invés de lutar contra, que é o que eu faço normalmente, decidi seguir o fluxo e aceitar o que o tempo impõe. Agora, em outro domingo de sol, vejo que as plantas voltaram a crescer depois que eu dei um amor para a terra e tirei as folhas mortas. Consertei a máquina de lavar. Faz uns dez dias que não deito no sofá, o sol entra pela janela e escorre pela sala, os gatos se esticam no tapete limpo para receber calor, a estante de livros está arrumada. O coração não vai ficar afundado pra sempre e a inspiração vai voltar – ela sempre volta.
* Ouvi esse ‘managing decline’ da minha mentora no Substack Local, a Jen. Ela estava falando sobre a situação no jornalismo no mundo nos últimos, sei lá, vinte anos: ‘we are managing decline’. Yes, friend, we are. Nós aqui no Brasil temos gerenciado o declínio com diferentes níveis de insucesso. Declínio social principalmente, mas declínio pessoal também.
Seguiremos sem crônicas novas até começo de maio. Mas hoje, de novo, tem surra de dicas de livros ⏬
#ChegouAqui
Importante: todos os links abaixo são da Amazon e a TTMT ganha uma pequena porcentagem da venda caso a compra seja efetuada através dessas indicações. Os livros também estão disponíveis em formato Kindle.
“Memórias de uma Beatnik”
Esse foi presente da minha DJ preferida & amiga pessoal Giu Viscardi 💖 uma crítica comum aos beats é uma quase completa desconsideração pelas autoras mulheres, que se não entraram para o cânone literário ainda assim são importantes na criação da linguagem e estilo de vida do ‘movimento’, como provam os escritos deixados por Diane de Prima. Essa bonita edição em pt-br saiu pela Veneta 💸 Compre aqui
“Uma Rosa Só”
Novo romance da autora do celebrado “A Elegâcia do Ouriço" se passa entre as paisagens de Kyoto — pense em templos, jardins, casas de chá e ambientes silenciosas e organizados. De alguma forma, Muriel consegue trazer uma quietude e tranquilidade para contar uma história é que em essência sobre luto e amor 💸 Compre aqui
“Oblómov”
O Bartleby russo — só que muito, muito mais longo. O herói aqui tira força de não fazer nada, e o autor consegue tirar não só humor e divagações filosóficas desse 'nada’ mas também um comentário sobre a da elite russa antes da revolução e sua inevitável queda. Não se assuste com as 600 e tantas páginas, elas passam mais rápido do que você imagina 💸 Compre aqui
🎙️ Podcast
Essa semana eu falei com a Rê Quintella no podcast “Não Sei Mas Desconfio” sobre hábito (e dificuldade) da escrita, a vez em que dei uma sandália de presente pra Elza Soares, meu livro novo que não sai mas vai sair e sobre a ~gênese do nome Tá Todo Mundo Tentando :)
A pandemia da ansiedade paralisante é real demais. Ao mesmo tempo, difícil achar formas de reagir vivendo na periferia do capitalismo nessa merda de mundo neoliberal infernal. Eu tenho 29 anos e meu otimismo anda respirando por aparelhos. Pelo menos me divirto com meu novo humor taciturno e medonhamente conectado com o atual espaço-tempo brasileiro. Grande abraços, de uma contemporânea do Brasil década de 20.