Para ouvir lendo: Elza Soares canta o amor (playlist no Spotify)
Elza Soares morreu ontem, 20/01/2022, dia de São Sebastião e Oxossi, no Rio de Janeiro. Ela tinha 91 anos.
Li o comunicado da equipe de Elza, falei com a minha mãe, fui ao cinema com meu filho e voltei pra casa, sempre com “Se Acaso Você Chegasse” na cabeça.
Não tenho conhecimento suficiente sobre a extensa carreira da Elza para escrever algo adequado assim, de sopetão. Mas tudo bem, tem gente adequada pra isso, como o Zeca Camargo, jornalista que em 2018 escreveu a única biografia dela.
E sempre será tempo de homenagear Elza, a mulher do fim do mundo, a artista que cantava de um jeito que ninguém mais fazia, dona de uma história que ninguém mais tinha.
Uma das raras cantoras a ter vivido miséria, fama, ostracismo e a fama de novo, Elza viveu para receber ainda em vida o merecido reconhecimento — ainda que no caso dela, nenhum prêmio ou elogio baste.
Eu conheci a Elza rápida e pessoalmente, na virada do anos 90 pra 2000. Mais que isso: Elza esteve em minha casa. E melhora: eu emprestei sapatos para Elza usar em um show. Foi coisa da minha mãe, que era produtora de shows de casas como Bourbon Street e Supremo Musical e teve um estúdio de ensaio na casa onde morávamos na Vila Romana. Por causa dos contatos dela, era rotina que bandas em passagem por São Paulo parassem por lá para ensaiar. Um dia que parou por lá foi a Elza e a banda que a acompanhava para uma apresentação no SESC Pompéia. Elza contou que estava sem um par de sapatos bonitos para usar no palco, minha mãe lembrou que eu usava plataformas, quem sabe eu não teria um par que fizesse jus à estrela? Pois bem, eu tinha: um par de sapatos cor de vinho com salto quadrado e plataforma que eu tinha comprado dias antes em um brechó. Eu calço 36, Elza usava 34 e as plataformas eram 35, no meio do caminho. Elza gostou, provou e usou. No palco, lembro que ela usava um vestido branco tipo rede e que era uma mulher pequena que ao cantar ficava enorme. Contou histórias, falou de Garrincha, falou de samba, falou de cantar carregando lata de água na cabeça, falou de Louis Armstrong, de Caetano Veloso, de bossa nova, de morar na Itália, de voltar para o Brasil. Durante mais de uma hora ficamos escutando, eu e a platéia do teatro do SESC Pompéia, embevecidos.
Além do talento, da voz, do ritmo, Elza tinha presença, tinha espírito, tinha essa coisa que definimos como força. Uma coisa que todo mundo tem, mas que só algumas pessoas sabem usar.
Elza sabia.
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