Para ouvir lendo: “La Casa Nal Campo", uma versão (mais) suave do clássico de Zé Rodrix (Youtube/Spotify)
Estamos no meio de novembro então falta um mês e tanto para virar o ano, aquela ocasião em que a gente renova votos por costume. A virada de ano 2021-22 é especial visto que (pelo menos é o que pensamos agora!) trará um novo ano sem pandemia: enquanto escrevo a vacinação em São Paulo já ultrapassou 70% da população adulta e nessa semana tivemos pela primeira vez um dia inteiro sem mortes causadas por covid19. No estado, não na cidade. É muita coisa.
Virada de ano é sempre momento de celebração e a de 2020-21 só foi ok para quem é psicopata, então o 31 de dezembro próximo tem um jeito especial de esperança — apesar de tudo mais que continua aí independente da pandemia, vocês sabem quem, etc.
Virada de ano é especial também pela simbologia de permitir-talvez-quem-sabe-assim-vamos-acreditar-um-pouquinho alguma energia para deixar para trás certos pesos. Todos carregamos algumas culpas. Tirando criancinhas, ninguém que sobreviveu até aqui está isento de pecados. Todos temos nossas mancadas para engolir e olhar pra elas com clareza é sempre bom, porque a única coisa pior que a realidade é a negação da realidade (não fui eu, foi Voltaire). Pena que às vezes a verdade é uma merda e não existe apego ao realismo otimista realidade que conserte.
Então ainda temos algo como 50 dias para consertar erros. Claro que você vai poder consertar depois, mas aí perdeu um tanto da simbologia e rituais são importantes. E claro que há erros insolúveis, mas espero que você que me lê esteja pelo menos tentando lidar com os seus sem jogar pra baixo do tapete — estamos na lunação de Escorpião e, dizem as místicas, é hora da merda boiar. Independente de lunações, fim de ano é auspicioso para perdoar ou tentar solucionar algo. Eu tenho a minha lista de erros — e, não, não vou compartilhar com vocês, não compartilho direito nem com a minha terapeuta, viciada que sou em performar corretinha, pra mim é importante viver na ilusão de que os erros não são meus ou, durante algum arroubo de martirização interior, achar que todos erros são meus. Sol em Peixes, Lua em Câncer. Me ajuda aqui um pouco, Caio F.
Não tô falando de dívida de cartão de crédito (essas, também). Erros podem ser aquela promessa de cuidar da saúde que você ainda não cumpriu e te trouxe, sei lá, uma alta no colesterol (apostando aqui que a maioria do público da TTMT é 35+). Isso dá tempo de cumprir, nesse ano ou no outro, mas não demore demais. Erro pode ter sido entrar num relacionamento zuado cheio de autoengano e toxina. Dá tempo de assumir pra você mesme e sair dessa. Erro pode ter sido, pelo contrário, dar um perdido numa sorte de amor tranquilo que num universo paralelo nesse momento está te fazendo uma pessoa muito feliz. Talvez dê tempo de se perdoar pela mancada e correr aéreas do prejuízo – mas não existe, claro, garantia de que a outra parte sinta o mesmo, inclusive a fila pode ter andado. Quem nunca? Seu erro pode ter sido perder um trabalho ou pegar um trabalho ruim, pode ter sido parar de falar com parentes, perder a compostura numa briga no Twitter, deixar de pagar um boleto importante e gastar o aqué em outra coisa. Seu erro pode ter sido aglomerar durante a pandemia ou, pior, postar Stories de situação de festinha lotada em bar no litoral com todo mundo sem máscara quando estavam morrendo algumas mil pessoas por dia no Brasil. Realmente, não foi de bom tom. Seu erro pode ter sido escrever pro/a ex tentando voltar, seu erro pode ter sido se envolver numa fofoca escrota que queimou seu filme com uma pessoa de quem que você gostava, seu erro pode ter sido votar no Bruno Covas e eleito o Ricardo Nunes, seu erro pode ter sido tomar multa, ficar preso em congestionamento pro litoral naquele feriadão esticado do Doria em que todo mundo foi viajar, seu erro pode ter sido pegar covid no churrasco de aniversário do seu cunhado meio mala, pode ser sido acreditar que tal pessoa mudou, mas quem muda de verdade? Pode ter sido, sei lá, terminar uma amizade pq o/a ex-amigo/a chama vacina de “vachina" - apesar que aí acho que é capaz de ser acerto. Seu erro pode ter sido deixar passar uma boa proposta de trampo, pode ser sido comer aquela feijoada em boteco sórdido que te acompanhou por uns três dias, pode ter sido assistir todos os episódios de ”Nine Perfect Strangers” (desculpa, eu recomendei).
O que eu quero dizer é: no Stories pode até parecer que sim, mas ninguém chegou até aqui incólume. Talvez o Padre Julio, mas não tenho certeza. Eu, por exemplo, errei horrores esse ano, vide a newsletter da sexta passada.
E, pior, voltei a fumar.
Os colegas voluntários do Bixiga Sem Medo lançaram esse vídeo para divulgar a campanha Bixiga Sem Fome e lembrar que elogio é bom mas PIX é melhor. Sem as doações em dinheiro não é possível comprar as cestas básicas que viram pratos de comida distribuídos para a população desabrigada do Bixiga/Bela Vista. Você pode doar qualquer valor a partir da campanha aqui no Abacashi ou direto pelo Pix: bixigasm@gmail.com.
A Antofágica vai lançar sua edição do “Cândido” de Voltaire e passei pelo tweet do anúncio enquanto estava ouvindo esse episódio abaixo do Writ Large, podcast de literatura que disseca “livros que mudaram o mundo", então achei que era um sinal. A frase do texto acima que credito ao Voltaire na real é da Carla Hesse, professora de história em Berkeley e entrevistada do episódio, falando sobre essa obra essencial do iluminismo francês. Se você ouve bem em inglês, vai lá.
Ah, o "Cândido” da Antofágica está em pré-venda com preço especial até 02/12.
Lindo texto sobre livrarias da Laura Eber no Suplemento Pernambuco de novembro. Livrarias são "o avesso dos horrores" e “um pouco como pessoas cuja casa frequentamos”. De fato. Livrarias são espaços capazes de, como Laura diz sobre uma livraria que frequentava na infância, “produzir aquela suspensão gostosa do tempo". Sempre penso nas razões pelas quais frequento livrarias, para além da óbvia vontade de trazer novos volumes para casa (tantos livros, tão pouco tempo), e talvez seja isso: tem algo no ambiente das livrarias, pelo menos das pequenas e médias, que parecem mais com blbiotecas do que com loja, que causa esse efeito de suspensão. Não por acaso o modelo de livraria-com-café é um sucesso em qualquer cidade do mundo.
Talvez meu relacionamento-livreiro mais longo seja com a Vila da Fradique Coutinho, que eu frequentava quando criança (era menorzinha e ficava do outro lado da rua, no quarteirão de cima) e onde lancei meu único livro, em 2016. Mas preferidas sempre mudam. Gostaria de dizer que as de hoje são a Megafauna ou Gato Sem Rabo, ambas mencionadas no texto da Laura, ambas novas, ambas na Vila Buarque, ambas muito cool. Mas não. A "minha” livraria atual é uma de rede, tamanho médio, com vitrine dedicada aos lançamentos, boa seleção de russos e gregos e um saldão fixo com ótimos preços, um perigo para minhas estantes que já encararam oito mudanças e estão meio bambas.
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Só posso começar dizendo obrigada! Sempre leio seus textos na segunda-feira de manhã e (quase) sempre sinto que eles conversam com meus pensamentos do final de semana. Mas este parece que escrevemos juntas. "Pra mim é importante viver na ilusão de que os erros não são meus ou, durante algum arroubo de martirização interior, achar que todos os erros são meus" falou diretamente com o meu juiz-interno-muito-autoritário. Talvez porque meu sol está seja em câncer e minha lua em peixes. Eita! Obrigada mais uma vez e um ótima semana para você.
Acho que, apesar dos erros, tentei bastante acertar este ano. Ler seu texto foi uma oportunidade de refletir e chegar a essa conclusão, fiquei até orgulhosa de mim (coisa raríssima). Mas meu maior erro este ano foi e tem sido procrastinar... E gastar dinheiro demais com besteira. Boa sorte com o cigarro, não tenho esse vício mas, como sou propensa a outros, imagino a dificuldade com o danado.